Suraya Cristina Darido
Irlla Diniz
O novo modelo do Ensino Médio, apresentado por Temer no último dia 22 de setembro, flexibiliza o currículo da etapa, acaba com a obrigatoriedade das disciplinas de Educação Física e Artes. Um tremendo retrocesso, em tempos modernos, na vigência absoluta do sedentarismo, da crise de valores e na falta de interesse pela escola. Tamanha a importância atual do conhecimento sobre as práticas corporais que é inaceitável que queiram excluir a disciplina do rol das obrigatórias. Ademais, o modo como foi conduzido o processo, por medida provisória causa estranheza, para dizer o mínimo.
É verdade, que a disciplina enfrentou vários problemas para se legitimar no campo escolar. Durante um longo período, a Educação Física foi entendida como uma atividade destituída de intenção pedagógica, marcada por uma prática meramente recreativa ou pelo desenvolvimento da aptidão física e desportiva.
A partir da década de 1980 o denominado Movimento Renovador da Educação Física brasileira passa a enfatizar a necessidade de atribuir novos rumos para o componente. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB 9.394/96 estabeleceu que a Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica (BRASIL, 2016). A lei significou um importante avanço para a área e, minimamente, garante sua existência e constante evolução nas escolas.
É fundamental frisar que a Educação Física oferece uma série de possibilidades para enriquecer a experiência das crianças, jovens e adultos na Educação Básica, permitindo o acesso a um vasto universo cultural. Esse universo compreende saberes corporais, experiências estéticas, emotivas, lúdicas, agonistas que se inscrevem, mas não se restringem, à racionalidade típica dos saberes científicos que comumente orienta as práticas pedagógicas na escola. Experimentar e analisar as diferentes formas de expressão que não se alicerçam apenas nessa racionalidade é uma das potencialidades desse componente e um dos motivos centrais da sua condição de direito dos/das estudantes de todo país (BRASIL, 2016, p. 102). Por isso não se justifica tornar a disciplina optativa no Ensino Médio, ainda mais considerando o risco que essa condição pode significar para área.
Também podemos nos perguntar: por que o número de pessoas que praticam atividades físicas regulares no Brasil ainda é tão baixo? Trata-se de menos de 30% da população adulta. Uma das hipóteses reside na falta de boas experiências anteriores vivenciadas pelos estudantes nas aulas ou fora delas. Acreditamos que se os alunos encontram prazer e conhecimento nas aulas de educação Física a possibilidade de engajamento consciente nas práticas corporais é potencializada. Transformar a disciplina em optativa no Ensino Médio tornaria ainda mais distante essa possibilidade.
Nesse nível de ensino especificamente, os alunos trazem para as aulas um conjunto de experiências com a Educação Física que influenciam a relação com o componente e seus diferentes conteúdos. Para muitos, esta é a última chance de acessar um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre a Educação Física e, por tal motivo, não se pode abrir mão de lhes oferecer o máximo de oportunidades possíveis para que estabeleçam uma relação qualificada com a cultura corporal de movimento (BRASIL, 2016, p. 524).
Neste contexto é imprescindível considerar que os jovens dispõem de capacidades ampliadas de ler o mundo, possibilidades de dimensionar os problemas que afetam os grupos mais próximos e mais distantes, bem como ajudar a vislumbrar alternativas de solução de problemas de diferentes naturezas. Dessa forma, o exercício de um protagonismo comunitário é particularmente importante no Ensino Médio como um todo, e na Educação Física de forma particular. Tratar de temas como o direito ao acesso às práticas corporais pela comunidade, a problematização da relação destas manifestações com a saúde e o lazer ou a organização autônoma e autoral no envolvimento com a variedade de manifestações da cultura corporal de movimento permitirá a expressão e o cultivo dessas atuações (BRASIL, 2016, p. 524).
Esta etapa também se caracteriza pelo olhar prospectivo dos jovens para sua própria trajetória. É um momento em que se tomam decisões importantes. A Educação Física pode subsidiar os estudantes com conhecimentos que transcendem a continuidade dos estudos ou a inserção no mundo profissional. O componente abre possibilidades de pensar e aprender sobre o cuidado de si e dos outros que, independentemente do rumo tomado, permitirão avaliações mais lúcidas sobre o tempo livre como condição básica para um bem viver (BRASIL, 2016, p.99).
Enquanto discutíamos atentamente o desenvolvimento da área, por meio de ações como o engajamento e a escrita da Base Nacional Curricular Comum, fomos atropelados pela Medida Provisória (MP) nº 746 de 22 de setembro de 2016, que coloca em risco o processo construído ao longo dos últimos anos. Para se ter ideia, apenas em 2015/16, foi discutido com diversos professores o papel da Educação Física na Educação Básica, em especial, no Ensino Médio. Considerando apenas as contribuições registradas no portal da BNCC temos:
7429 manifestações sobre os textos introdutórios da 1ª versão;
Mais de 3800 manifestações para cada um dos 45 objetivos da Educação Física no Ensino Médio, o que representa bem mais de 171.000 contribuições para essa etapa!
Propuseram-se 1600 modificações para o conjunto de objetivos e 379 sugestões de novos objetivos.
Foram elaborados mais de 10 pareceres críticos;
Registradas as contribuições e críticas de diversos fóruns realizados, entre setembro de 2015 e março de 2016, em várias regiões do Brasil com diferentes grupos e associações. A partir de todos esses subsídios, registradas no site da BNCC, surgiu a 2ª Versão que foi discutida recentemente em Seminários Estaduais em todo o país. Frente às notícias divulgadas sobre MP nos questionamos: O que fica de tudo isso? Que conhecimento possui quem decide? Com qual legitimidade? Quais os resultados das avaliações realizadas para se tomar tal medida? Quais as reais intenções por trás dessa MP? O que ela efetivamente poderá contribuir com o aumento da qualidade do Ensino Médio no Brasil? Por que não houve consulta aos professores no processo?
Assim, sinalizamos que a Educação Física na escola proporciona conhecimentos específicos e insubstituíveis, de forma que nenhum componente curricular poderá preencher a lacuna deixada por ela no currículo.
Diante desse contexto, repudiamos a MP do Ensino Médio, prevendo, inúmeros efeitos perversos à população brasileira.
Suraya Cristina Darido (Docente do Departamento de educação física - Unesp e Membro da Comissão de Especialistas da Base Nacional Comum).
Irlla Diniz Professora EBTT - IFSP – Capivari e Doutoranda pelo Programa de Desenvolvimento Humano e Tecnologias - Unesp
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