As aulas de educação física
possuem uma diversidade gigantesca em relação aos conteúdos a serem trabalhados.
Dentre esta vasta gama, se encontram as lutas. Este, mesmo que esteja
recomendado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, dificilmente é adotado
pelos docentes. Os motivos para não trabalharem são os mais variados. Muitos alegam
desconhecer. Outros acreditam que apenas praticantes de lutas ou artes marciais
estejam habilitados a fazê-lo. Portanto, as desculpas são infindáveis. Contudo,
a literatura refuta todas e afirma que existem possibilidades do professor não
praticante de lutas trabalharem em suas aulas.
Pois bem, mesmo que o praticante
ou não praticante se proponha a usar como conteúdo em suas aulas, dificilmente,
deixará de abordar o tema lutas versus briga. Rotineiramente, artigos e livros
trazem esse binário para a discussão nas aulas de lutas. O professor, observando
ser muito pertinente para o contexto, abraça e joga para o debate. Quais são as
repostas que os alunos dão? Elas estão certas? O professor sabe quais são as
respostas? Afinal, o que são lutas e o que é briga?
A probabilidade é enorme de um
docente ouvir a resposta de que a briga causa dano, enquanto, a luta não, que uma
possui regras e a briga não. Mas será que é só isso?
Neste artigo, tento fazer um apanhado
que a literatura apresenta a respeito do assunto. Para tanto, apresento alguns
conceitos já discutidos, mas que a meu ver não sacramentados.
Penso que, talvez, estejam bem
próximas enquanto manifestações biológicas. Entretanto, se afastam se
considerarmos questões de cunho sociocultural. Alguns autores, inicialmente,
acreditam que a primeira coisa a fazer é desmitificar que há uma simbiose entre
as lutas e a violência. Para eles, essa ligação deve ser dissolvida. Conforme Lacerda
et al. (2015) é preciso ir além com essa informação, para que pais, diretores e
professores como um todo possa ter em mente essa distância da prática das lutas
com a violência, e passem a enxergar esse conteúdo como importante na cultura
de não violência e de vários benefícios.
Não é incomum ouvir de pais e
familiares que o seu filho, sobrinho ou coisa que o valha não deve fazer lutas
na escola, pois ficará uma pessoa mais violenta. Tal afirmação corrobora com o
discurso de Rufino e Darido (2013) que apontam o estabelecimento de associações
errôneas das lutas com questões relacionadas à incitação à violência, às
brigas, entre outras.
Tais relações estariam revestidas
não apenas de preconceitos, mas de concepções limitadas e pautadas em
distorções sobre o que de fato as lutas podem significar para a prática
pedagógica a partir de sua vinculação como uma das manifestações da cultura
corporal de movimento (RUFINO; DARIDO, 2013). Alinhados com este pensamento, Braun
et al. (2015) pensam que as lutas e a briga são distintas em vários aspectos. Definem
as lutas como possuidoras de regras, que objetivam a finalidade de um combate
de maneira esportiva, já as brigas são comportamentos com forte apelo à
violência, afetando a integridade moral e física, ocorrendo na maioria das
vezes de maneira inesperada.
Por outro lado, vejo que as lutas
e a briga têm muitas diferenças. Apesar disso, também há grandes aproximações. Para
entendermos melhor, consultemos o dicionário Michaelis. Nele encontra-se: a
luta pode ser considerada uma modalidade marcial, esportiva ou filosófica que
possui regramentos e sistematizações. Onde, geralmente, há o combate onde um
tenta subjugar o outro. Enquanto, a briga é uma ação ou situação em que os
adversários se enfrentam corpo a corpo; luta corporal. Pode haver mais de um
envolvido, inclusive a situação de superioridade numérica é constante. Nota-se
que o significado em dicionários, traz a expressão luta corporal para designar
briga. A luta corpo a corpo é comum nesse binarismo. Portanto, o propósito
parece ser diferente. Ter sentidos diversos. Mas a vitória, a derrota, o
subjugar está nos dois.
Destarte, pensar que a luta pode
ser proveniente da briga é uma hipótese considerável. Quiçá, a capoeira, o
jiu-jítsu, o krav magá não tenham sido pedagogicamente sistematizados de
manifestações corporais oriundas de briga. Se considerarmos essa premissa,
condicionando a regramentos, a briga transforma-se em luta. Neste sentido,
temos Olivier (2000) onde pensa na ressignificação das brigas de pátio na
escola para jogos de lutas com regras.
Para alguns professores de
educação física, de acordo com Nascimento e Almeida (2007), a preocupação com o
fator violência, que julgam ser intrínseco às práticas de luta, incompatibiliza
a possibilidade de abordagem deste conteúdo em aula. Pois bem, se até mesmo
quem deveria esclarecer o assunto aos seus alunos, tem visões deturpadas, o que
esperar dos leigos?
A luta é uma manifestação
corporal com ações contra um oponente, compostas de regras e técnicas de golpes
sistematizados, possuindo escopos distintos, como educação, disciplina, lazer,
prática de esportes, social, entre outros benefícios, das brigas. Essa já passa
a ser uma forma de enfrentamento de duas ou mais pessoas, sem regramentos e nem
sistematizações pedagógicas, com o propósito de agressão e de uso de violência
desmedida e despropositada.
Enquanto a luta, como vimos,
apresenta regras, respeito entre os praticantes e toda uma organização social,
as brigas não apresentam regras, são desorganizadas e constituem-se em uma maneira
violenta de resolver conflitos por meio de ações não éticas e desrespeitosas,
ou seja, são bem diferentes das lutas. Por isso, é fundamental que os alunos
sejam capazes de diferenciar claramente as características das lutas e o que as
diferencia das brigas, até para evitar mal entendidos ou incompreensões sobre
estas práticas corporais.
Até aqui parece ser a luta do bem
(luta) contra o mal (briga). Contudo, conforme Aguiar (2008), nem sempre as
lutas podem trazer mudanças tão positivas. Elas podem aflorar experiências
negativas para o indivíduo, tudo dependendo do contexto e de como são
trabalhadas. Se o contexto for agressivo, logicamente haverá uma exacerbação da
violência, ou seja, as lutas estarão vinculadas às brigas. Mas se o contexto
for o pedagógico, elas ajudarão os alunos a respeitarem-se, conhecerem o
próprio corpo e as suas possibilidades de movimento, estimular o autocontrole,
aumentar a autoestima, controlar as emoções etc.
De acordo com Oliveira et al. (2015), o aprendizado das lutas,
por exemplo, o jiu jítsu, podem favorecer a prática da violência. Pois, por se
tratar de uma luta de extrema eficácia alguns de seus praticantes tem utilizado
em brigas e confusões em escolas e nas ruas. A utilização das lutas como
prática de atividade física é capaz de canalizar a agressividade, incutir
valores de respeito ao outro e as regras, que em última análise recurso
pedagógico para diminuir e controlar a violência urbana.
Em investigação de Braun et al.
(2015), ao questionar uma professora acerca da relação das lutas com a
violência, se obteve a resposta: ‘’Não relaciono a luta à violência, ao
contrário, tento desconstruir essa ligação que muitas vezes os alunos fazem.
Geralmente explico para eles que as lutas estão relacionadas a uma filosofia, e
não a brigas. ’’
De acordo com Braun et al.
(2015), essa fala corrobora com os pesquisadores Só e Betti (2009) que garantem
que a prática das lutas pode ajudar no processo de educação para uma cultura de
não violência, e que a violência é um fator da realidade social na qual se
insere o indivíduo.
Rufino e Darido (2011) pensam nas lutas que o adversário deve
ser visto como um parceiro, respeitado. Enquanto, nas brigas ele é apenas uma
pessoa inimiga sendo agredida. Ainda, é proposto, discussões para
diferenciar lutas de brigas, incitações à violência, priorizando o respeito e a
cidadania, assim como pesquisas sobre dados históricos e fatos curiosos sobre a
história do esporte, dentre outras questões. Os beneficiários são incentivados
a trazerem perguntas e curiosidades relevantes às aulas, permitindo que haja
uma troca de informações e reflexões que transcende os processos de ensino e
aprendizagem de gestos técnicos e movimentos específicos apenas (RUFINO;
MARTINS, 2011).
De acordo com Lançanova (2008), existe
uma visão de que se o aluno aprender a lutar irá agredir os professores e os pais,
ou promover mais brigas com os colegas. Esse é um preconceito da prática de
artes marciais na escola, pois muitos alunos possuem acesso a uma academia ou a
um instrutor que lhe ensine, fora da escola, e isso não determina que sejam
mais violentos que os outros que não possuem.
Na luta, para os alunos, o outro
não é um inimigo; é só um adversário. E a relação não é de agressão, mas de
interação. ‘Cria-se uma espécie de diálogo corporal’, os estudantes atacam,
defendem-se, caem e, no final, voltam à condição de colegas, sem se sentir
desrespeitados. Não é à toa que, na maioria das artes marciais, os embates
começam e terminam com um cumprimento (LANÇANOVA, 2008).
Segundo Pereira, Neto e Smith
(2003), ações como essas, no contexto escolar, causam sérios problemas, pois
crianças que sofrem esse tipo de agressão estão arriscadas a carregarem consigo
traumas da escola pelo resto de suas vidas, uma vez que brigas, lutas, agressões
nos pátios, corredores, salas de aulas e principalmente no recreio, fazem a
escola não mais ser vista como um lugar de alegria e ludicidade, mas sim como
palco para agressões (DA SILVA, 2008).
As lutas, conforme Vale (2015),
são conteúdos da Educação Física Escolar, mas aparentemente sofrem algumas
restrições nas aulas devido aos preconceitos relacionados a ela, como a
associação das lutas com a violência escolar. Para Alves Junior (2006): As
multidões se dirigem às arenas para vibrar com os socos e pontapés e quanto mais
sofrimento alguém impõe ao outro mais excitado fica a plateia, partindo desta
constatação observamos como isso é frequente no dia a dia escolar, as brigas
geram estas plateias, e acabam por fazer parte até hoje da vida dos alunos,
sendo qualquer um, participando da violência explicitamente e implicitamente.
Explicitamente quando participa efetivamente da briga e implicitamente quando
trata com negligencia a briga.
Mas, foi preciso insistir na
diferenciação entre lutas e brigas e no respeito ao adversário para conduzir as
aulas de maneira segura, pois inicialmente eles demonstraram não diferenciar
essa questão, fato que apuramos na sondagem inicial. Outra situação ocorrida no
início foi a insistência dos alunos em aprender técnicas da luta e realizar
“combates”, porém no decorrer das aulas eles se envolveram com as propostas e
se demonstraram satisfeitos.
Várias podem ser as hipóteses,
mas acreditamos que os jogos parecidos com as lutas tenham levado a compreensão
que a mesma não precisa ser idêntica ao modelo oficial; que as lutas têm regras
e as brigas não, caracterizando esta última como um comportamento inadequado ao
ambiente (LOPES et al., 2015).
Dessa forma, faz-se necessário
aos professores de Educação Física Escolar saber e ensinar a diferença entre
lutas e brigas para seus alunos, independente da modalidade. Enquanto a
primeira trata-se de uma prática esportiva ou alternativa de atividade física
com regras determinadas, a segunda é vista como uma forma de provocar
confusões, desrespeito ao próximo, gerando violência excessiva.
A luta é um esporte como outro
qualquer, todavia o envolvimento com a utilização de quedas, torções,
imobilizações, estrangulamentos, uso da força e situações de combate possam ser
confundidas com brigas, o que sabemos que não é uma verdade. Por fim
apresentamos a questão referente se os alunos se tornariam mais agressivos ao
praticarem lutas (MAZINI FILHO, 2014).
O que Olivier (2000)
indiretamente sugere é uma ressignificação das lutas, isto é, mostrar outras
possibilidades e olhares para os alunos, neste caso específico, o autor sugere
transformar “brigas em jogos de lutas”, ou seja, relativizar as distintas intencionalidades
entre brigas e jogos de lutas.
Os PCNs afirmam ainda que as
lutas são disputas em que o(s) oponente(s) deve(m) ser subjugado(s), com
técnicas e estratégias de desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão de
um determinado espaço na combinação de ações de ataque e defesa.
Deve-se ressaltar que a definição
dos PCNs inclui as lutas apenas nas questões que tangem as vivências práticas
dessas modalidades como o equilíbrio ou desequilíbrio, técnicas de contusão ou
exclusão de espaços, dentre outras, não mencionando, assim, outras formas de se
abordar as lutas na escola como, por exemplo, incluir na definição questões
como: o que são lutas ou questões relacionadas à história das modalidades, condutas
dos praticantes.
Os Parâmetros Curriculares
Nacionais, em relação ao conteúdo da Educação Física, enquanto disciplina
escolar observa que deva tratar da cultura corporal, em sentido amplo: sua
finalidade é introduzir e integrar o aluno à essa esfera, formando o cidadão
que vai produzir, reproduzir e também transformar essa cultura. Portanto, o
aluno deverá deter o instrumental necessário para usufruir de jogos, esportes,
danças, lutas e ginásticas em benefício do exercício crítico da cidadania e da
melhoria da qualidade de vida.
Lutas e briga são a mesma coisa?
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