quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Educação Física no Ensino Médio: Luxo ou necessidade?

Suraya Cristina Darido 

Irlla Diniz 

O novo modelo do Ensino Médio, apresentado por Temer no último dia 22 de setembro, flexibiliza o currículo da etapa, acaba com a obrigatoriedade das disciplinas de Educação Física e Artes. Um tremendo retrocesso, em tempos modernos, na vigência absoluta do sedentarismo, da crise de valores e na falta de interesse pela escola. Tamanha a importância atual do conhecimento sobre as práticas corporais que é inaceitável que queiram excluir a disciplina do rol das obrigatórias. Ademais, o modo como foi conduzido o processo, por medida provisória causa estranheza, para dizer o mínimo. 
É verdade, que a disciplina enfrentou vários problemas para se legitimar no campo escolar. Durante um longo período, a Educação Física foi entendida como uma atividade destituída de intenção pedagógica, marcada por uma prática meramente recreativa ou pelo desenvolvimento da aptidão física e desportiva. 
A partir da década de 1980 o denominado Movimento Renovador da Educação Física brasileira passa a enfatizar a necessidade de atribuir novos rumos para o componente. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB 9.394/96 estabeleceu que a Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica (BRASIL, 2016). A lei significou um importante avanço para a área e, minimamente, garante sua existência e constante evolução nas escolas. 
É fundamental frisar que a Educação Física oferece uma série de possibilidades para enriquecer a experiência das crianças, jovens e adultos na Educação Básica, permitindo o acesso a um vasto universo cultural. Esse universo compreende saberes corporais, experiências estéticas, emotivas, lúdicas, agonistas que se inscrevem, mas não se restringem, à racionalidade típica dos saberes científicos que comumente orienta as práticas pedagógicas na escola. Experimentar e analisar as diferentes formas de expressão que não se alicerçam apenas nessa racionalidade é uma das potencialidades desse componente e um dos motivos centrais da sua condição de direito dos/das estudantes de todo país (BRASIL, 2016, p. 102). Por isso não se justifica tornar a disciplina optativa no Ensino Médio, ainda mais considerando o risco que essa condição pode significar para área. 
Também podemos nos perguntar: por que o número de pessoas que praticam atividades físicas regulares no Brasil ainda é tão baixo? Trata-se de menos de 30% da população adulta. Uma das hipóteses reside na falta de boas experiências anteriores vivenciadas pelos estudantes nas aulas ou fora delas. Acreditamos que se os alunos encontram prazer e conhecimento nas aulas de educação Física a possibilidade de engajamento consciente nas práticas corporais é potencializada. Transformar a disciplina em optativa no Ensino Médio tornaria ainda mais distante essa possibilidade. 
Nesse nível de ensino especificamente, os alunos trazem para as aulas um conjunto de experiências com a Educação Física que influenciam a relação com o componente e seus diferentes conteúdos. Para muitos, esta é a última chance de acessar um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre a Educação Física e, por tal motivo, não se pode abrir mão de lhes oferecer o máximo de oportunidades possíveis para que estabeleçam uma relação qualificada com a cultura corporal de movimento (BRASIL, 2016, p. 524). 
Neste contexto é imprescindível considerar que os jovens dispõem de capacidades ampliadas de ler o mundo, possibilidades de dimensionar os problemas que afetam os grupos mais próximos e mais distantes, bem como ajudar a vislumbrar alternativas de solução de problemas de diferentes naturezas. Dessa forma, o exercício de um protagonismo comunitário é particularmente importante no Ensino Médio como um todo, e na Educação Física de forma particular. Tratar de temas como o direito ao acesso às práticas corporais pela comunidade, a problematização da relação destas manifestações com a saúde e o lazer ou a organização autônoma e autoral no envolvimento com a variedade de manifestações da cultura corporal de movimento permitirá a expressão e o cultivo dessas atuações (BRASIL, 2016, p. 524).
Esta etapa também se caracteriza pelo olhar prospectivo dos jovens para sua própria trajetória. É um momento em que se tomam decisões importantes. A Educação Física pode subsidiar os estudantes com conhecimentos que transcendem a continuidade dos estudos ou a inserção no mundo profissional. O componente abre possibilidades de pensar e aprender sobre o cuidado de si e dos outros que, independentemente do rumo tomado, permitirão avaliações mais lúcidas sobre o tempo livre como condição básica para um bem viver (BRASIL, 2016, p.99). 
Enquanto discutíamos atentamente o desenvolvimento da área, por meio de ações como o engajamento e a escrita da Base Nacional Curricular Comum, fomos atropelados pela Medida Provisória (MP) nº 746 de 22 de setembro de 2016, que coloca em risco o processo construído ao longo dos últimos anos. Para se ter ideia, apenas em 2015/16, foi discutido com diversos professores o papel da Educação Física na Educação Básica, em especial, no Ensino Médio. Considerando apenas as contribuições registradas no portal da BNCC temos: 
7429 manifestações sobre os textos introdutórios da 1ª versão; 
Mais de 3800 manifestações para cada um dos 45 objetivos da Educação Física no Ensino Médio, o que representa bem mais de 171.000 contribuições para essa etapa! 
Propuseram-se 1600 modificações para o conjunto de objetivos e 379 sugestões de novos objetivos. 
Foram elaborados mais de 10 pareceres críticos; 
Registradas as contribuições e críticas de diversos fóruns realizados, entre setembro de 2015 e março de 2016, em várias regiões do Brasil com diferentes grupos e associações. A partir de todos esses subsídios, registradas no site da BNCC, surgiu a 2ª Versão que foi discutida recentemente em Seminários Estaduais em todo o país. Frente às notícias divulgadas sobre MP nos questionamos: O que fica de tudo isso? Que conhecimento possui quem decide? Com qual legitimidade? Quais os resultados das avaliações realizadas para se tomar tal medida? Quais as reais intenções por trás dessa MP? O que ela efetivamente poderá contribuir com o aumento da qualidade do Ensino Médio no Brasil? Por que não houve consulta aos professores no processo? 
Assim, sinalizamos que a Educação Física na escola proporciona conhecimentos específicos e insubstituíveis, de forma que nenhum componente curricular poderá preencher a lacuna deixada por ela no currículo. 
Diante desse contexto, repudiamos a MP do Ensino Médio, prevendo, inúmeros efeitos perversos à população brasileira. 

Suraya Cristina Darido (Docente do Departamento de educação física - Unesp e Membro da Comissão de Especialistas da Base Nacional Comum). 

Irlla Diniz Professora EBTT - IFSP – Capivari e Doutoranda pelo Programa de Desenvolvimento Humano e Tecnologias - Unesp

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

'Brasil não tem conhecimento para formar atletas de alto nível', diz especialista

Para o professor da USP Marcos Neira, não é papel da escola treinar atletas. Na sua opinião, futuro olímpico do país passa pelas federações e confederações

Durante duas semanas, a cada medalha conquistada ou perdida por atletas brasileiros na Olimpíada Rio 2016, surgia na mídia, e entre o público geral, os questionamentos das razões pelas quais o Brasil não consegue entrar no seleto grupo das potências esportivas. Nesta Olimpíada, o objetivo de ficar entre os dez países com o maior número de medalhas não foi alcançado, apesar do país ter tido o melhor desempenho da sua história nos Jogos, terminando sua participação em 13º lugar – nos Jogos de Londres 2012 foi 22º.
Movidos em parte pelo senso comum, com frequência a escola passou a ser apontada como o caminho seguro para a redenção olímpica. Não raro, inclusive profissionais da imprensa esportiva apontaram a mesma solução.
Para Marcos Garcia Neira, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar, em que pese o senso comum, não é função da escola e dos professores de educação física a formação de atletas. Mais do que isto, segundo Neira, um dos mais respeitados estudiosos do país em educação física escolar, currículo e formação de professores, a universidade brasileira não está preparada para desempenhar esse papel.
Nesta entrevista para a Rede Brasil Atual, Marcos Neira fala da função da educação física na escola, da formação dos técnicos no Brasil e propõe caminhos para o futuro do esporte de alto rendimento no país.

Qual a importância do esporte na escola?
É preciso explicar que o esporte é uma das práticas corporais que podem ser tematizadas na escola. Além do esporte, temos as brincadeiras, as lutas, as danças e as ginásticas. Considerando que o papel da educação física na escola é ajudar as crianças a lerem as práticas corporais que existem, intervirem nestas práticas e reconstruírem cada uma a seu modo, não podemos pensar que apenas o esporte deve estar na escola
O esporte é mais uma das manifestações que precisam ser discutidas e experimentadas dentro da escola. Só que quando ocorre uma Olimpíada, é normal que as pessoas vejam o quadro de medalhas, desejem um desempenho melhor e pensem que uma das maneiras de melhorar este desempenho seria investindo na escola.

O país poderia ter a política de investir na escola para melhorar o desempenho esportivo?
É preciso analisar que o Brasil já experimentou essa proposta. Nos últimos anos da década de 60, ao longo da década de 70 e uma boa parte da década de 80, o país teve essa proposta de usar a escola como local de descoberta de talentos e disseminação do esporte. Se você olhar o quadro de medalhas daquela época, verá que o desempenho era desastroso, se comparado com hoje.
Essa foi a Olimpíada em que o Brasil teve o melhor desempenho e nunca a educação física brasileira escolar esteve tão distante do esporte como está neste momento. A educação física brasileira na escola já foi exclusivamente esportiva e não alcançou o desempenho que tivemos agora. Então precisamos separar uma coisa da outra.
O Brasil, há muitos anos, escolheu um modelo de institucionalização do esporte que não tem relação com a escola. Há outros países do mundo – e eu não acho que isto seja bom –  onde o sistema escolar e esportivo têm ligação entre si. No Brasil, não.

Então qual pode ser o caminho do esporte no Brasil?
A criança, ou o jovem, se inserir num clube ou num centro de treinamento, em que a entidade seja federada da respectiva modalidade. E então começar a praticar, a participar de competições e serão os resultados obtidos nestas competições que habilitarão essa pessoa a participar de um selecionado e, depois, de um evento nacional ou internacional.
Pode ser que o menino ou a menina nunca faça educação física na escola e seja um atleta que vá representar o Brasil. Uma coisa não tem a ver com a outra. É importante que isto fique bem claro.
Mas é senso comum achar que a escola é o local onde esse jovem pode se tornar atleta.
Há dois pontos que raramente as pessoas tocam quando são feitas estas análises. Primeiro, se fizer parte do nosso projeto de Estado que a gente tenha uma melhoria de desempenho no campo esportivo, como faremos com a privatização da experiência esportiva no atual cenário? Porque o que temos hoje é o esporte na mão das entidades privadas. As federações, as confederações, os clubes, são entidades privadas. Como vai ser essa relação do Estado com isto?
Na maioria dos municípios do país, as secretarias de esporte, quando existem, recebem uma verba pequena, os profissionais são mal remunerados e boas condições de trabalho nestes espaços praticamente inexistem. Às vezes há os equipamentos, mas os profissionais não são habilitados para aquilo, ou há os profissionais, mas não há os equipamentos.
Então não dá para remeter essa responsabilidade à escola. A escola não tem condições de preparar pessoas para competir no boxe, na vela, na esgrima, tênis de mesa, entre outras modalidades esportivas. Acho que o poder público deveria oferecer essa chance das crianças conhecerem e se aperfeiçoarem no esporte, mas sei que o poder público não está preocupado com isto. E vejo com muita desconfiança como seria a relação dos clubes com isto.
Infelizmente, há experiências em que os clubes se apropriam dos espaços públicos para treinar seus atletas. Esse convívio entre o público e o privado é sempre muito complicado

O professor de educação física é formado para treinar os alunos?
Nós não temos profissionais formados para isto no Brasil. Isto é algo que as pessoas não gostam de dizer. Os currículos que formam profissionais de educação física no Brasil mostram que, ou nós formamos pessoas para trabalhar na escola, com um viés mais amplo das práticas corporais, ou formamos pessoas para atuar no âmbito da saúde, que vão trabalhar nas academias, nas clínicas, nos parques, com corrida, ginástica etc.
Nós não temos no Brasil a tradição, e nem o conhecimento, de formar pessoas para atuar no esporte de alto nível. Temos pouquíssimos cursos superiores no Brasil que formam pessoas para trabalhar com treinamento esportivo. Em São Paulo, por exemplo, apenas duas instituições.
Se você olhar, nós temos feito, nos últimos anos, a importação de técnicos para trabalhar nas nossas equipes principais. O que é importante acontecer, principalmente por não termos técnicos aqui no Brasil.

Qual a alternativa neste caso?
A alternativa seria apostar, como muitos países fazem, nas federações e confederações. Em muitos países são as próprias federações que têm cursos de preparação técnica, de formação de professores que vão trabalhar nas equipes de base, depois nas equipes de alto nível. É um processo de formação que não ocorre dentro da universidade.
Na USP, formamos bons professores para atuar nas escolas, principalmente nas escolas públicas. Não é nosso objetivo, por exemplo, formar bons técnicos de tiro. Não vejo como isto possa acontecer aqui. Agora, uma entidade como a federação paulista de tiro, a confederação de tiro, ela poderia trazer técnicos estrangeiros e fazer um processo de formação de ex-atletas, ou pessoas interessadas na modalidade. Algumas modalidades já fazem isto e, fora do Brasil, isto é muito comum.

Seria possível a universidade mudar sua formação?
Se a gente quiser responsabilizar as universidades pela formação destes técnicos, nós vamos ter que mudar o currículo. E aí vai faltar conhecimento, porque precisaríamos ter uma formação mais rica do ponto de vista da aprendizagem motora, do desenvolvimento e do controle motor, áreas do conhecimento que toda pessoa que vai trabalhar com formação de atletas precisa ter.
Não estou falando de pessoas que vão trabalhar com atletas já prontos. Mas uma pessoa que vai trabalhar com as categorias de base, visando formar pessoas habilidosas lá na frente, precisa ter muito conhecimento nestas áreas e, no Brasil, são pouquíssimas instituições que abordam isto.
Então, não é uma questão fácil, não é simplesmente aporte de recursos e vontade. Se a população brasileira definir este caminho, será um projeto a longo prazo. Eu não formo uma geração de atletas do dia para a noite, como não formo uma geração de engenheiros, como não formo uma geração de pessoas democráticas do dia para a noite.

por Luciano Velleda, para a RBA 

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Educação física escolar: lutas versus briga, o que falar?

As aulas de educação física possuem uma diversidade gigantesca em relação aos conteúdos a serem trabalhados. Dentre esta vasta gama, se encontram as lutas. Este, mesmo que esteja recomendado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, dificilmente é adotado pelos docentes. Os motivos para não trabalharem são os mais variados. Muitos alegam desconhecer. Outros acreditam que apenas praticantes de lutas ou artes marciais estejam habilitados a fazê-lo. Portanto, as desculpas são infindáveis. Contudo, a literatura refuta todas e afirma que existem possibilidades do professor não praticante de lutas trabalharem em suas aulas.
Pois bem, mesmo que o praticante ou não praticante se proponha a usar como conteúdo em suas aulas, dificilmente, deixará de abordar o tema lutas versus briga. Rotineiramente, artigos e livros trazem esse binário para a discussão nas aulas de lutas. O professor, observando ser muito pertinente para o contexto, abraça e joga para o debate. Quais são as repostas que os alunos dão? Elas estão certas? O professor sabe quais são as respostas? Afinal, o que são lutas e o que é briga?
A probabilidade é enorme de um docente ouvir a resposta de que a briga causa dano, enquanto, a luta não, que uma possui regras e a briga não. Mas será que é só isso?
Neste artigo, tento fazer um apanhado que a literatura apresenta a respeito do assunto. Para tanto, apresento alguns conceitos já discutidos, mas que a meu ver não sacramentados.
Penso que, talvez, estejam bem próximas enquanto manifestações biológicas. Entretanto, se afastam se considerarmos questões de cunho sociocultural. Alguns autores, inicialmente, acreditam que a primeira coisa a fazer é desmitificar que há uma simbiose entre as lutas e a violência. Para eles, essa ligação deve ser dissolvida. Conforme Lacerda et al. (2015) é preciso ir além com essa informação, para que pais, diretores e professores como um todo possa ter em mente essa distância da prática das lutas com a violência, e passem a enxergar esse conteúdo como importante na cultura de não violência e de vários benefícios.
Não é incomum ouvir de pais e familiares que o seu filho, sobrinho ou coisa que o valha não deve fazer lutas na escola, pois ficará uma pessoa mais violenta. Tal afirmação corrobora com o discurso de Rufino e Darido (2013) que apontam o estabelecimento de associações errôneas das lutas com questões relacionadas à incitação à violência, às brigas, entre outras.
Tais relações estariam revestidas não apenas de preconceitos, mas de concepções limitadas e pautadas em distorções sobre o que de fato as lutas podem significar para a prática pedagógica a partir de sua vinculação como uma das manifestações da cultura corporal de movimento (RUFINO; DARIDO, 2013). Alinhados com este pensamento, Braun et al. (2015) pensam que as lutas e a briga são distintas em vários aspectos. Definem as lutas como possuidoras de regras, que objetivam a finalidade de um combate de maneira esportiva, já as brigas são comportamentos com forte apelo à violência, afetando a integridade moral e física, ocorrendo na maioria das vezes de maneira inesperada.
Por outro lado, vejo que as lutas e a briga têm muitas diferenças. Apesar disso, também há grandes aproximações. Para entendermos melhor, consultemos o dicionário Michaelis. Nele encontra-se: a luta pode ser considerada uma modalidade marcial, esportiva ou filosófica que possui regramentos e sistematizações. Onde, geralmente, há o combate onde um tenta subjugar o outro. Enquanto, a briga é uma ação ou situação em que os adversários se enfrentam corpo a corpo; luta corporal. Pode haver mais de um envolvido, inclusive a situação de superioridade numérica é constante. Nota-se que o significado em dicionários, traz a expressão luta corporal para designar briga. A luta corpo a corpo é comum nesse binarismo. Portanto, o propósito parece ser diferente. Ter sentidos diversos. Mas a vitória, a derrota, o subjugar está nos dois.
Destarte, pensar que a luta pode ser proveniente da briga é uma hipótese considerável. Quiçá, a capoeira, o jiu-jítsu, o krav magá não tenham sido pedagogicamente sistematizados de manifestações corporais oriundas de briga. Se considerarmos essa premissa, condicionando a regramentos, a briga transforma-se em luta. Neste sentido, temos Olivier (2000) onde pensa na ressignificação das brigas de pátio na escola para jogos de lutas com regras.
Para alguns professores de educação física, de acordo com Nascimento e Almeida (2007), a preocupação com o fator violência, que julgam ser intrínseco às práticas de luta, incompatibiliza a possibilidade de abordagem deste conteúdo em aula. Pois bem, se até mesmo quem deveria esclarecer o assunto aos seus alunos, tem visões deturpadas, o que esperar dos leigos?
A luta é uma manifestação corporal com ações contra um oponente, compostas de regras e técnicas de golpes sistematizados, possuindo escopos distintos, como educação, disciplina, lazer, prática de esportes, social, entre outros benefícios, das brigas. Essa já passa a ser uma forma de enfrentamento de duas ou mais pessoas, sem regramentos e nem sistematizações pedagógicas, com o propósito de agressão e de uso de violência desmedida e despropositada.
Enquanto a luta, como vimos, apresenta regras, respeito entre os praticantes e toda uma organização social, as brigas não apresentam regras, são desorganizadas e constituem-se em uma maneira violenta de resolver conflitos por meio de ações não éticas e desrespeitosas, ou seja, são bem diferentes das lutas. Por isso, é fundamental que os alunos sejam capazes de diferenciar claramente as características das lutas e o que as diferencia das brigas, até para evitar mal entendidos ou incompreensões sobre estas práticas corporais.
Até aqui parece ser a luta do bem (luta) contra o mal (briga). Contudo, conforme Aguiar (2008), nem sempre as lutas podem trazer mudanças tão positivas. Elas podem aflorar experiências negativas para o indivíduo, tudo dependendo do contexto e de como são trabalhadas. Se o contexto for agressivo, logicamente haverá uma exacerbação da violência, ou seja, as lutas estarão vinculadas às brigas. Mas se o contexto for o pedagógico, elas ajudarão os alunos a respeitarem-se, conhecerem o próprio corpo e as suas possibilidades de movimento, estimular o autocontrole, aumentar a autoestima, controlar as emoções etc.
De acordo com Oliveira et al. (2015), o aprendizado das lutas, por exemplo, o jiu jítsu, podem favorecer a prática da violência. Pois, por se tratar de uma luta de extrema eficácia alguns de seus praticantes tem utilizado em brigas e confusões em escolas e nas ruas. A utilização das lutas como prática de atividade física é capaz de canalizar a agressividade, incutir valores de respeito ao outro e as regras, que em última análise recurso pedagógico para diminuir e controlar a violência urbana.
Em investigação de Braun et al. (2015), ao questionar uma professora acerca da relação das lutas com a violência, se obteve a resposta: ‘’Não relaciono a luta à violência, ao contrário, tento desconstruir essa ligação que muitas vezes os alunos fazem. Geralmente explico para eles que as lutas estão relacionadas a uma filosofia, e não a brigas. ’’
De acordo com Braun et al. (2015), essa fala corrobora com os pesquisadores Só e Betti (2009) que garantem que a prática das lutas pode ajudar no processo de educação para uma cultura de não violência, e que a violência é um fator da realidade social na qual se insere o indivíduo.
Rufino e Darido (2011) pensam nas lutas que o adversário deve ser visto como um parceiro, respeitado. Enquanto, nas brigas ele é apenas uma pessoa inimiga sendo agredida. Ainda, é proposto, discussões para diferenciar lutas de brigas, incitações à violência, priorizando o respeito e a cidadania, assim como pesquisas sobre dados históricos e fatos curiosos sobre a história do esporte, dentre outras questões. Os beneficiários são incentivados a trazerem perguntas e curiosidades relevantes às aulas, permitindo que haja uma troca de informações e reflexões que transcende os processos de ensino e aprendizagem de gestos técnicos e movimentos específicos apenas (RUFINO; MARTINS, 2011).
De acordo com Lançanova (2008), existe uma visão de que se o aluno aprender a lutar irá agredir os professores e os pais, ou promover mais brigas com os colegas. Esse é um preconceito da prática de artes marciais na escola, pois muitos alunos possuem acesso a uma academia ou a um instrutor que lhe ensine, fora da escola, e isso não determina que sejam mais violentos que os outros que não possuem.
Na luta, para os alunos, o outro não é um inimigo; é só um adversário. E a relação não é de agressão, mas de interação. ‘Cria-se uma espécie de diálogo corporal’, os estudantes atacam, defendem-se, caem e, no final, voltam à condição de colegas, sem se sentir desrespeitados. Não é à toa que, na maioria das artes marciais, os embates começam e terminam com um cumprimento (LANÇANOVA, 2008).
Segundo Pereira, Neto e Smith (2003), ações como essas, no contexto escolar, causam sérios problemas, pois crianças que sofrem esse tipo de agressão estão arriscadas a carregarem consigo traumas da escola pelo resto de suas vidas, uma vez que brigas, lutas, agressões nos pátios, corredores, salas de aulas e principalmente no recreio, fazem a escola não mais ser vista como um lugar de alegria e ludicidade, mas sim como palco para agressões (DA SILVA, 2008).
As lutas, conforme Vale (2015), são conteúdos da Educação Física Escolar, mas aparentemente sofrem algumas restrições nas aulas devido aos preconceitos relacionados a ela, como a associação das lutas com a violência escolar. Para Alves Junior (2006): As multidões se dirigem às arenas para vibrar com os socos e pontapés e quanto mais sofrimento alguém impõe ao outro mais excitado fica a plateia, partindo desta constatação observamos como isso é frequente no dia a dia escolar, as brigas geram estas plateias, e acabam por fazer parte até hoje da vida dos alunos, sendo qualquer um, participando da violência explicitamente e implicitamente. Explicitamente quando participa efetivamente da briga e implicitamente quando trata com negligencia a briga.
Mas, foi preciso insistir na diferenciação entre lutas e brigas e no respeito ao adversário para conduzir as aulas de maneira segura, pois inicialmente eles demonstraram não diferenciar essa questão, fato que apuramos na sondagem inicial. Outra situação ocorrida no início foi a insistência dos alunos em aprender técnicas da luta e realizar “combates”, porém no decorrer das aulas eles se envolveram com as propostas e se demonstraram satisfeitos.
Várias podem ser as hipóteses, mas acreditamos que os jogos parecidos com as lutas tenham levado a compreensão que a mesma não precisa ser idêntica ao modelo oficial; que as lutas têm regras e as brigas não, caracterizando esta última como um comportamento inadequado ao ambiente (LOPES et al., 2015).
Dessa forma, faz-se necessário aos professores de Educação Física Escolar saber e ensinar a diferença entre lutas e brigas para seus alunos, independente da modalidade. Enquanto a primeira trata-se de uma prática esportiva ou alternativa de atividade física com regras determinadas, a segunda é vista como uma forma de provocar confusões, desrespeito ao próximo, gerando violência excessiva.
A luta é um esporte como outro qualquer, todavia o envolvimento com a utilização de quedas, torções, imobilizações, estrangulamentos, uso da força e situações de combate possam ser confundidas com brigas, o que sabemos que não é uma verdade. Por fim apresentamos a questão referente se os alunos se tornariam mais agressivos ao praticarem lutas (MAZINI FILHO, 2014).
O que Olivier (2000) indiretamente sugere é uma ressignificação das lutas, isto é, mostrar outras possibilidades e olhares para os alunos, neste caso específico, o autor sugere transformar “brigas em jogos de lutas”, ou seja, relativizar as distintas intencionalidades entre brigas e jogos de lutas.
Os PCNs afirmam ainda que as lutas são disputas em que o(s) oponente(s) deve(m) ser subjugado(s), com técnicas e estratégias de desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão de um determinado espaço na combinação de ações de ataque e defesa.
Deve-se ressaltar que a definição dos PCNs inclui as lutas apenas nas questões que tangem as vivências práticas dessas modalidades como o equilíbrio ou desequilíbrio, técnicas de contusão ou exclusão de espaços, dentre outras, não mencionando, assim, outras formas de se abordar as lutas na escola como, por exemplo, incluir na definição questões como: o que são lutas ou questões relacionadas à história das modalidades, condutas dos praticantes.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, em relação ao conteúdo da Educação Física, enquanto disciplina escolar observa que deva tratar da cultura corporal, em sentido amplo: sua finalidade é introduzir e integrar o aluno à essa esfera, formando o cidadão que vai produzir, reproduzir e também transformar essa cultura. Portanto, o aluno deverá deter o instrumental necessário para usufruir de jogos, esportes, danças, lutas e ginásticas em benefício do exercício crítico da cidadania e da melhoria da qualidade de vida.
Lutas e briga são a mesma coisa?


  • AGUIAR, Cristiane. A legitimidade das lutas: Conteúdo e conhecimento da educação física escolar. 2008. 56 f. TCC (Graduação) - Curso de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008.
  • BRAUN, Anderson Gustavo et al. O judô e a capoeira como conteúdos na educação física escolar. Ágora Revista Eletrônica, n. 21, 2015.
  • CORRÊA, Adriano de Oliveira; QUEIROZ, Gisele; PEREIRA, Marcos Paulo Vaz de Campos. Lutas como conteúdo na Educação Física Escolar. Trabalho de conclusão de curso Módulo Centro Universitário, Caraguatatuba–SP, 2010.
  • DA SILVA, Junior Vagner Pereira. Espaços para o jogo no recreio escolar e a ocorrência de lutas a “brincar”. LICERE-Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, v. 11, n. 2, 2008.
  • LACERDA, Rafaela Pinheiro et al. Ensino de lutas: Relatos de uma experiência na rede pública. 417 Educação física escolar e artes: experiência pedagógica a, p. 437. (2015)
  • LANÇANOVA, Jader. Lutas na educação física escolar: alternativas pedagógicas. São Paulo: Ática, 2008.
  • LOPES, Raphael Gregory Bazílio; KERR, Tiemi Okimura. O ensino das lutas na Educação Física escolar: uma experiência no ensino fundamental. Motrivivência, v. 27, n. 45, p. 262-279, 2015.
  • MAZINI FILHO, Mauro Lúcio et al. O ensino de lutas nas aulas de Educação Física Escolar. Cinergis, v. 15, n. 4, 2014.
  • MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2002.
  • NASCIMENTO, Paulo Rogério; BARBOSA, Luciano de Almeida. "A tematização das lutas na Educação Física escolar: restrições e possibilidades." Movimento (ESEF/UFRGS) 13.3 (2007): 91-110.
  • OLIVIER, Jean-Claude. Das brigas aos jogos com regras: enfrentando a indisciplina na escola. Porto Alegre: Artmed, 2000.
  • Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental. Educação Física/Secretaria de Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
  • RUFINO, Luiz Gustavo Bonatto; DARIDO, Suraya Cristina. A separação dos conteúdos das “lutas” dos “esportes” na educação física escolar: necessidade ou tradição?. Pensar a Prática, v. 14, n. 3, 2011.
  • RUFINO, Luiz Gustavo Bonatto; DARIDO, Suraya Cristina. Possíveis diálogos entre a educação física escolar e o conteúdo das lutas na perspectiva da cultura corporal. CONEXÕES: Revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, v. 11, n. 1, p. 144-170, 2013.
  • RUFINO, Luiz Gustavo Bonatto; MARTINS, Carlos José. O jiu jitsu brasileiro em extensão. Revista Ciência em Extensão, v. 7, n. 2, p. 84-101, 2011.
  • VALE, Jose Ideraldo Bezerra do. As lutas enquanto recursos pedagógicos nas aulas de Educação Física Escolar. 2015.